domingo, 3 de agosto de 2014

BES - Hoje é um dia histórico, pelos piores motivos.

Hoje, pela primeira vejo investidores a perderem tudo o que investiram numa determinada ação, neste caso, no BES.  Decidi voltar a escrever aqui no blogue exatamente para deixar aqui algo para a posteridade, algo que possa servir de exemplo a muitos que no futuro venham a decidir investir em ações.

É mesmo verdade, um título que ainda há pouco mais de um mês valia mais de um euro por ação, que há cerca de uma semana valia cerca de 35 cêntimos, vai desaparecer da bolsa e deixar sem nada os seus acionistas, alguns dos quais terão adquirido este estatuto apenas nos últimos minutos em que os títulos negociaram, por volta das 15:42h de sexta feira passada, dia 1 de agosto. Um título que representa uma empresa com mais de um século de história, mas mais importante que isto, uma empresa que ainda há bem pouco tempo era o maior banco privado deste país! É verdadeiramente incrível!

Costumo dizer, a todos os que se estão a iniciar nos mercados de capitais, que devem meter desde logo na cabeça que, por mais que por vezes pareça fácil, investir na bolsa é muito perigoso e muito difícil e que devem sempre considerar a possibilidade de perder tudo. Mas nunca esta palavra "tudo" teve um significado tão verdadeiro. Nem eu o imaginava desta forma, quando o escrevia, fazia-o em sentido teórico, não imaginando que pudesse ser tão real.

Não quero deixar de falar dos aspetos da regulação, como é que foi possível isto acontecer depois de tudo o que já aconteceu recentemente, sobretudo nos casos BPN e BPP?! Somos incapazes de aprender com os erros? Somos incompetentes? Por falar em incompetência, como é que o governador do banco de Portugal continua no cargo depois de, há cerca de três semanas, ter dado garantias de que o BES estava "sólido", de que havia uma almofada financeira de 2,1 mil milhões de euros que era mais do que suficiente para acomodar todos os eventuais prejuízos que houvesse, e que até havia investidores privados interessados em recapitalizar o BES, se isso fosse necessário. Bom, eu vi este mesmo homem há umas horas atrás a dizer tudo ao contrário, que aconteceram fraudes que não são possíveis de detetar, que afinal o BES está muito pior do que pensavam e já não há privados interessados! Como é possível que este homem ainda se mantenha no cargo? como é que este homem pode continuar a ser o responsável por transmitir confiança a toda a gente, como tentou fazer no final do mesmo discurso de há poucas horas, onde disse que era incapaz de garantir o que quer que seja?! Resta-nos a esperança de que seja capaz de colocar atrás das grades, aqueles que diz que praticaram as fraudes, aqueles que o enganaram, que o traíram, que praticaram os atos que não são possíveis de detetar. Temos essa esperança, mas sobretudo, temos de ser capazes de o exigir, seja como for, custe o que custar!

Queria deixar uma palavra de conforto aos acionistas do BES, já agora aos obrigacionistas também, embora eu ache que no caso destes ainda há alguma esperança de recuperarem parte do investimento. Não devem ser fáceis estes momentos, mas de uma coisa tenho a certeza, um dia, alguns deles, ainda vão pensar que pode ter sido a melhor coisa que lhes aconteceu, tais os ensinamentos que lhes proporcionou.

Na boa das verdades, em termos de volume de perdas, este caso BES é até menos grave do que outros que já vivemos no passado recente. O BCP chegou a valer 17 mil milhões de euros em 2007, cinco anos depois, em 2012 chegou a valer cerca de 500 milhões de euros, uma desvalorização de mais de 15 mil milhões de euros para os acionistas. O BES desvalorizou apenas cerca de 1/3 disto. E podia dar aqui outros exemplos similares, mas este é paradigmático. Qual é então agora a grande diferença no caso do BES. Quanto a mim existem duas grande diferenças: 1- A duração da correção em tempo mínimo record. O BES fez um AC há cerca de dois meses, aparentemente ficou muito bem capitalizado, valia cerca de 5 mil milhões de euros, e em pouquíssimo tempo faliu; 2- O facto de ter significado uma perda total, levando inclusivé ao fim das negociações do título em bolsa. No caso do BCP terá havido certamente muitos acionistas que perderam mais do que agora no BES, mas foram perdendo ao longo dos anos, e a maior parte deles ainda tem a esperança de um dia recuperar o que perdeu, alguns deles eventualemente conseguirão, se aumentaram  significativamente as suas posições quando o BCP bateu no fundo e se o banco continuar a recuperar. Comparando estes casos sinceramente até acho que é preferível o que aconteceu agora com o BES do que aquilo que aconteceu com o BCP. O choque agora é muito maior mas penso que, na maioria dos casos, será preferível à "morte lenta" que significou os 5 anos de queda do BCP, com todos os efeitos nefastos que isso provoca no investidor que mantém a esperança de um dia recuperar. No caso BES o choque deve ser brutal, dependo da exposição e capacidade de encaixe de cada um, mas, para muitos, isso significará o precipitar de um novo ciclo que, para além de adiado,  ficaria mesmo comprometido se as coisas se arrastassem por anos como aconteceu no BCP. Conheço pessoas que ainda hoje têm ações do BCP mas nunca mais quiseram saber de bolsa, apenas me dizem, "sim ainda as tenho lá, nem sei quantas, nem quanto valem"!

Muito se falou já de que deveriam ser transmitidos nas escolas alguns ensinamentos básicos sobre investimentos. Há dois ensinamentos muito básicos que, se seguidos, certamente não seria dramático para ninguém aquilo que está a acontecer, seria difícil mas não dramático:

1- Colocar em aplicações de risco apenas o capital que, se o perdermos na totalidade, não precisaremos dele para nenhuma das despesas fundamentais;
2- Colocar no máximo 1/3 deste capital numa mesma aplicação;

No fundo todos sabemos disto, mas quando as coisas estão a correr bem acabamos por descurar princípios básicos. E isso é muito perigoso, este caso do BES mostrou-nos isso com nitidez.

2 comentários:

Miguel disse...

Bom dia Artista....

Muito dura esta lição para mim.... Mas talvez seja a melhor lição da minha vida como investidor. Talvez o choque que precisa para aprender a fechar as perdas...

Forte Abraço.

artista disse...

É como eu disse lá atrás, eu também levei um forte choque em 2002/3 que culminou com o assumir de perdas em 2006 no BCP. Embora um bocado diferente porque foi mais prolongado no tempo, foi muito penalizador em termos de rentabilidade. Hoje costumo dizer que foi uma grande lição, marcou uma viragem na minha forma de investir, fez-me perceber que posso ganhar muito quando a bolsa está Bull, mas se não estiver preparado, quando isto vira, vai o que ganhei e outro tanto!

Mas atenção, conheço muita gente que por mais sustos que levem permanecem na mesma, não alteram nada na sua forma de estar nos mercados, são os jogadores, aqueles que estão nos mercados financeiros da mesma forma que poderiam estar nos casinos. Os mercados financeiros, são um desafio permanente a nós mesmos, sobretudo à capacidade de ser-mos disciplinados e cumprirmos os princípios orientadores que definimos para nós mesmos. Nos mercados se falharmos pagamos caro, sobretudo se os erros forem graves!

Boa sorte

Grande abraço